sexta-feira, 5 de abril de 2013

Das Águas do Rio


                Era um singelo tijolo. Eram tantos outros tijolos. Eram cimentos. Eram argamassas. Eram concretos. Eram em abstrato, torcedores. Eram em realidade, operários. Eram, por certo, anônimos torcedores, incansáveis e dedicados operários - em suor, em sangue e em legítimas dores.
                Emergiu das águas do rio. Como um espectro do além, se fortaleceu e criou raízes que beiram águas e sonhos. Das lágrimas de uma paixão desenfreada e das vozes de um amor encarnado, surgiu um templo sagrado.
                Colheram-se flores, plantaram-se frutos. Doeu o corpo e também feriu a alma, os inapropriados e inconvenientes, espinhos sem nexo. Aqueles que não se endireitam! Machucam, cortam e corroem as veias do sangue rubro - as tristes, inexplicáveis e tão amarguradas derrotas!
                Mas, com toda certeza, foram poucas! Desde a mais remota lembrança, de outrora: das pontas dos meus pés, para enxergar o gramado, por de trás do alambrado - até as mais recentes memórias: das arquibancadas pintadas em vermelho e branco, da magia contagiante da Guarda Popular e do reluzente e imponente placar eletrônico - as vitórias e as conquistas coloradas se sobressaíram!
                Agora, estás Gigante em repouso! O sono dos justos! O descanso dos deuses!
               A alma vermelha em redenção - a espera de mais vibrações, de mais alegrias, de mais vitórias, de mais conquistas!
               Vejo em sua volta, um abraço em folhas enormes de paineiras; vejo lugares e assentos, bem alinhados e macios, que confortam com primazia, seu flamejante e fiel torcedor. Vejo mais! Vejo luzes e mais luzes! Vejo a alma rubra, mais e mais iluminada! Vejo em sua radiante atmosfera, doces arcanjos em voos rasantes! Vejo o espírito latente do Rolo Compressor, e os craques magistrais do velho e lendário Eucaliptos! Vejo Dom Elias, subindo e transcendendo em um brilhante raio de sol; cumprimentar o arqueiro rival, e comemorar o místico gol iluminado! Vejo  Paulo Roberto Falcão, desfilar em passadas largas e marcantes, no resplandecer eterno, de um time que nunca e que jamais perdeu! Vejo Paulo César Tinga, se agachando, orando e cabeceando todo o seu esplendor, em direção ao topo mais alto da América! Ah, vejo Rafael Sóbis, com a suave pontinha de sua chuteira de rubi, abrir e indicar um caminho sutil, para a segunda e tão preciosa corrida à América!
                Vejo, ainda, neste campo vital, de sonhos e devaneios: Dario, Claudião, Valdomiro e Claudiomiro! Vejo, também, Carpegiani, Mário Sérgio, Manga e Benitez! Vejo Taffarel, Dunga,  Luis Carlos Winck e Guinazu! Vejo Maurício, Gérson, Renteria e Mauro Galvão! Vejo Ruben Paz, Pinga, Jair e Gato Fernandez! Vejo Escurinho, Lúcio, Christian e Diego Forlán! Vejo Librelato, Yarlei, Alexandre Pato e Nilmar! Vejo Fernandão, Índio, D'Alessandro e Oscar! Vejo Clemer, vejo Damião, vejo Fabiano, vejo Alex, Gamarra e o inesquecível e sempre idolatrado Gabiru!
                Vejo e revejo alegrias, esqueço-me das tristezas! Vejo um Gigante renovado, um coração que pulsa e navega, ainda, sobre as águas densas de um generoso rio sulino. Uma alma que se eleva, sobre os cantos, as vozes e os gritos de um povo que enaltece, cada vez mais, a história e o mito de seus heróis - que pairam agora, sobre a leve brisa, das margens escuras do Rio Guaíba.
                 Dorme Gigante! Descansa e repousa, sereno e tranquilo - nos ombros de um guardião de águas infinitas e curadoras! E depois, quando o inescusável e inevitável destino, despertar: acorde, respire, ressurja, renasça e ressuscite - belo e impávido - ao amanhecer de uma aurora cintilante, em vistosas e glamorosas, cores alvirrubras!

                Por Márcio Mór Giongo, em 5 de abril de 2013.